sábado, 15 de janeiro de 2022

Família

 

 

 

 

A GUIAR

 

 

É do chapéu do avô

Que me saem memórias

Dos passos da avó

Que me compõe a história

Descem pela testa

Porque o suor construiu o que somos

Escorre pelos olhos

Hoje enrugados

Mas passam pelos lábios

Onde se esboça um sorriso

De canto de boca e gratidão

E desce o choro

Pelo pescoço

Pela medalhinha santa

Até o coração

No coração está a poesia

Envolta na poeira da estrada

No cheiro da cozinha

E nos mistérios de uma casa.

 

A casa da fazenda.

Era possível vê-la desde a ponte

A linda ponte de madeira

Que parecia a maior do mundo

Alta e perigosa

Porque éramos pequenos e inocentes!

A ponte de tábuas

Por onde passava o jeep

Por onde passava o rio...

E a areia branca?

Era verdade!

Era produto de limpeza

E usada para encher os vasos

Que em vez de flores

Tinham penas de pavão.


Infeliz

Quem nunca se sentou

Em uma das quatro cadeiras estranhas da mesa de centro

Onde tinha um calendário giratório

Quando ninguém sabia o que era o passar dos dias.

Da janela, as cercas da horta cobertas de bucha,

Melão de São Caetano e outras folhas.

Ninguém queria saber se produzia ou não

Mas a água corrente que se pegava na cuia era bom sinal

 

Sinal de que estávamos crescendo a cada ano

 

Quando uma nova horta foi feita

La embaixo

Percebemos a proximidade entre a casa e a ponte.

A ponte coberta pela enchente de dezembro

Quando estávamos todos lá!

Chegamos anos antes da energia elétrica!!!

Tivemos narizes pretos de lamparina

E corações assombrados pelas histórias de fantasmas!

Crescemos usando a casinha...

Que na noite escura de nada nos servia

Negando socorro aos nossos apertos.

Tomamos banho no chuveiro de lata

E conhecemos o sabão preto

Conhecemos o luxo do lampião a gás

Da radiola à pilha

Do balaio de sabugo

Do relógio de parede!

 

Mas a hora de dormir era marcada pelos adultos

E rigorosamente obedecida

Após o leite, o aterro, o disputado banquinho...

Eles jogavam truco, riam e contavam piadas...

Nós dormíamos!

Sono profundo nos colchões de palha

Os mais crescidos já sabiam alguns segredos

Roubavam os biscoitos da Tia Bininha no armário.

Ela que fazia nossas petecas

E era tão criança quanto nós!


O dia era de aventuras tantas

Os copos de alumínio no fogão

Cozinhando farinha para servirmos o leite

A Tia Lica descendo a escada de madeira

Levando bandejas para a coberta

Essa que víamos pelas frestas do assoalho,,,

O Louro que às vezes assobiava

Também tinha fama de perigoso

Fugíamos dele!

 

Ah! Se ele levasse no bico nossa saudade!

Se as penas da vida fossem ainda

Longas, majestosas e coloridas,

Como das aves que conhecemos

Ou desafiadoras da gravidade

Como as petecas da Tia Bininha...

 

Ah! Se a saudade fosse doce como rapadura

Como “Puxa” na cuia d’água

Como o tacho de laranja da terra...

A saudade não é doce

Nem de leite, nem de figo...

A saudade não se trata com homeopatia.

 

Todos nós temos uma saudade enorme

Que nos acompanha e cresce a cada dia.

Até à cadeira de balanço

Onde contaremos memórias

Semeando esperança e alegria.

Vamos regá-las com água da bica

Para que cresçam frondosas

Como o pé de jaca ou o de jatobá

Onde entre balanços e tombos

Aprendemos a voar

Que nosso coração transborde amor

E seja ele A  nos GUIAR!

 

3 comentários:

  1. Muita gratidão hyeda. Aqui vc descreveu uma história de amor, de família, de ensinamentos e saudade. Somos a herança deste tempo.

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  2. Yeda,querida, quanta sensibilidade, quanta riqueza de detalhes, quanto amor, lágrimas, risos e saudades vi, vivi e revivi em cada linha e entrelinhas deste seu maravilhoso memorial, para mim também tão especial e familiar. Bjs.

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  3. Ah! Yeda querida,chorei ao ler esse seu memorial que me fez reviver os melhores tempos vividos na fazenda de Seu Afranio e D.Violeta seus avós para nós inesquecíveis.

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