segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Natal


          No natal, quando te contaram que o Papai Noel esteve no castelo e trouxe seu presente, você se sentiu muito feliz. E quando anoiteceu, da janela do seu quarto você olhou uma estrela e agradeceu. Porque ele não se esqueceu de você, apesar de ter andado todo aquele reino cheio de criancinhas. E você queria poder falar com elas e saber qual presente ganharam. Para vê-las assim tão felizes quanto você. Queria poder contar quem comeu mais castanhas e ver qual árvore ficou mais bonita...
         Com toda esperança, você acabou adormecendo...
         Não havia nada mesmo, a saber, porque lá fora não houve Natal. Não houve presente, nem festa e nem luzes... Não houve visita alguma para os órfãos do Papai Noel!

(CAMPOS, Hyeda de Miranda – Trecho do conto MARGINAIS – 1996)
 

domingo, 2 de dezembro de 2012

Leitura

Como um sorriso
A leitura faz bem
Abre novos horizontes
Encanta
Ensina
 
Como um amigo
O livro pode te levar
A distâncias desconhecidas
Ou a um pequeno espaço
Dentro de você mesmo
 
A leitura pode tocar suas emoções
Pode dar asas as suas fantasias
Ajudá-lo a vencer seus medos
E libertá-lo das frustrações
 
Leia...                                           
Leia sempre...
                                                Leia muito...
 

Entrelinhas

 
 
Sinto-me como uma criança
Diante da sedutora vitrine de doces
 
Como Alice
Diante dos portões do jardim da Rainha
 
Serei sempre
Encantada
Pelos mistérios das entrelinhas...
 
Ah!
Um coração poeta...
Travesso...
Que não crescerá jamais!!!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Camila em intervalo de sonhos


Camila em intervalo de sonhos.

Desperto então da solidão dos sonhos através dos lençóis e seus misteriosos caminhos.
            Levanto-me e nenhum corpo me seduz de volta, nenhum braço me envolve, nenhum sorriso me ilumina... Levanto-me mesmo assim!
            No espelho meus olhos navegam em busca da alma. Meus cabelos expressam o conformismo e a lógica da negritude da noite contornando meu rosto pálido.
            Um minuto apenas para explorar toda a aquarela da vitalidade e definir quem serei neste dia. Assim vou maquiando minha máscara humana e visível que me iguala a todos os mortais.
            Olhos neutros, sorriso natural, sincero e espontâneo, sempre disponível. Alguns traços guardados de surpresa para usar quando contarem estórias em busca de resposta ou pura atenção. Preciso retocar as sobrancelhas para que a serenidade se fixe nesta máscara de hoje, impedindo qualquer expressão rude.
            Parece um bom rosto para encarar mais um dia de rotina criado a partir das minhas próprias escolhas.
            Os olhos da família nada leem de novo no meu rosto. No trabalho passam através de mim sem alterar meus traços.
            Nenhuma aparição miraculosa para desafiar meus sentidos no decorrer de todo o dia.
            O pôr do sol acontece sinalizando que há vitória e que a noite vem para celebrá-la.
            Hora de voltar para casa. E parece tão longe este lugar!
            Quando encerrada a porta do quarto parece me separar do mundo. No espelho nova viagem dos olhos perdidos que por milagre têm a ilusão de cruzar os teus.
            Tua imagem se espalha pelo quarto. Teus olhos perfeitos, tão fortes, tão fartos de brilho raro de magia e cores.
            Teus lábios perfeitos, vivos, minuciosamente traçados para abrir-me em sorriso o portal do amor.
            Teus cabelos, todo meu ouro reluzindo ali ao simples toque dos teus dedos.
            Cores contornam teu pescoço como em um abraço. Joias reluzem refletindo tuas escolhas e realçam tua personalidade.
            A perfeita simetria do teu corpo desafia a realidade e em um leve movimento teu estou cativa.
            Pedaços de vidro no chão não podem agora dizer quem sou.
            Aquarelas desfeitas, desmascarado o meu coração.
            O vento atravessa a janela, faz dançar a vela, faz brilhar a luz dos olhos teus. Espalha no ar o perfume do encontro, o som da tua voz e o sorriso meu. Também dançamos com ela, corpos, almas, sombra, calor de amor e vela.
            Cheiro de ervas do jardim deserto onde a chuva não desceu do céu.
            Nossos lábios têm sede do suave veneno do amor, mas provamos o chá dos sonhadores, para adormecer e separar sem se lembrar, sem sentir dor.
            Despertar para mais um dia, em um mundo desconhecido, onde ficaremos esperando o amor. Despertar para a normalidade. Para a rotina. Para a lógica e triste lucidez da vida.

(Dama do Vale – 14 de dezembro de 2020)
 
            

O EFEITO DA CHUVA


O EFEITO DA CHUVA.


Alguns seres têm lentes racionais de pouco alcance. Quanto aos que têm olhos fantasiosos, nada se pode definir. Alcançam milagres!
É assim, quando a noite chega, recolhem-se em seu portal como criaturas estranhas em busca de algo mais. Famintos, sedentos pela penumbra, pela fumaça, pela fantasia de ser, pelas visões que o dia a dia não oferece.
            O mundo normal anoitece, e a TV aprisiona em seu fascínio a família. Risadas e comentários parecem cada vez mais distantes, enquanto o corpo repousa sobre a cama.
Lentes em descanso, e o reino está entregue ao brilho mágico das pupilas de cristal. Vozes e ecos sem tradução.
Chovia, a temperatura estava cada vez mais baixa. Já sabia de sua chegada. Viera ouvir de mim tudo o que poderia te explicar. Estava tão lindo, ao lado de sua criança, sentado no sofá de espera. Poderia , sim, dizer-lhe tudo que transpunha a realidade, tudo o que você era para mim naquele sonho.
Te ver no mundo real é fascinante, sinto no coração poder dizer que te amo, que te quero, que sou feliz com o brilho do seu sorriso. És especial! Poderia dizer-te isso por tanto tempo!
Mas há diferenças também nos sonhos, porque não sonhamos sozinhos, e enquanto você está ao meu lado, sei que alguém te chama de volta à realidade.
Esse chamado fez um rio imenso em nossa frente e precisávamos atravessá-lo. Sonora correnteza que nos impôs o silêncio quando tínhamos tanto a dizer.
Seus cabelos na tempestade eram uma fortaleza de prazer. No mundo real você os mantém em estado de total encantamento.
E no silêncio, minha tristeza te afasta. Saber que pela manhã estaremos em mundos tão diferentes. Que passaremos um pelo outro e você não poderá me reconhecer. Que te olharei pelas lentes racionais e verei apenas uma estrela fora de alcance.
E cada vez que eu tentar me aproximar, dirão que é loucura, que é delírio, porque a realidade te mantém longe demais.
Te ouço, te vejo, mas você não pode fazer o mesmo.Somente eu conheço o portal e sei que não suportaria minha presença na sua realidade. Não posso existir aqui ao seu lado.
Amanhecemos separados pela razão. Mas olhe para fora da sua janela. Está molhado! A chuva caiu aqui também... Quem sabe um dia nos ensine o segredo da presença
O mundo real desperta trazendo de volta as vozes e seus ecos dizendo que a chuva caiu durante a noite.
O efeito da chuva jamais será o mesmo sobre os mortais.



Texto integrante da Antologia Literária Nas Asas da Imaginação - Litteris Editora - 2003



                                           Mestria do Olhar - Litteris Editora 2006
 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

ENTRE TANTOS OUTROS


ENTRE TANTOS OUTROS

Os sonhos crescem
Como os olhos aprendem a chorar
Os bailes continuam acontecendo
Tanta droga que se injeta num palco
Tantas fases que passam num telão
Como é estranho o final de semana
Os homens apodrecem numa casa de muros altos
Sabendo que lá fora há vidas
Há flores e há feridas
Há ruas, avenidas
Há crianças que crescem
Os bichos choram sobre o muro
Como um solo de guitarra
E voam numa canção triste
Na voz de um segundo
E brilham no escuro
Sei, ouvi dizer
Que tudo vai passar
Hei, olha o azul do céu
Onde passam bruxas
Luz, sol e mel
E os discos não encontram espaço
Onde voam pensamentos descoloridos
Que caem no abismo
Anjos sem asa
E brotam na canção
E seguem a reta reticente
Que compõe a história
Que ninguém conseguiu contar
Que continua a crescer
Sem razão
Razão sem ter
Razão de ser.

Sombras


SOMBRAS

Assim como um anjo caído
Um gigante adormecido
Vou olhando aquele céu
O céu cinzento
O azul sonolento que se apaga

Anjos outrora azuis
São olhos negros do mal
São sombras incandescentes
Que despertam a noite eterna

São manchas inconscientes
Que dão força ao vento
Que agitam o mar
Que causam tormento

São luzes apagadas
Formas inanimadas
Em cavalos alados
Prisioneiros assustados
Rumo ao fim

São assim como palavras
Usadas para expressar o nada
Que é mais que absurdo
E talvez compreendidas
Estragariam meu faz de conta.



Toque



TUDO O QUE VOCÊ TOCOU

Eu vejo os presentes
E tudo em que me liguei
E embrulhei meu sorriso
Nos sonhos eu você me fez
E se há algo que me resta
É uma estrada cheia de curvas
Que percorrerei pra te ver de novo
Porque eu acredito
Que você ainda existe

Você tocou alto o sino
Você tocou por nós dois
Você tocou minha ilusão
Que reluz como seus desejos
Você tocou meu lado sensível
Você tocou minha melhor criação
Você tocou minha liberdade
E me prendeu em mim



Eu me ajoelho e alcanço
Tudo o que você pode imaginar
Porque LÁ é longe
E o caminho é mais longo
Que tudo o que você tocou
Tem mistérios e cores
Que você ainda não alcançou
Não!!!
Você nunca tocou o azul do céu

Tão imenso o som de seus olhos se fechando
Tão forte o sabor de uma lágrima
Que você conseguiu chorar
Você conseguiu chorar!!!

Você tocou o centro do fogo
Você se prendeu em meio o vento forte
Que tocou o sino
Tocou alto o sino
Que você não conseguia ouvir 

Você tocou o vento brando
Você tocou seus próprios passos
Em retrocesso
Você tocou a porta
Que te fez voltar a si

Você fez uma promessa
Você tocou uma vida
Você tocou a dor
De uma criança que chorava
Você tocou o sino
E acordou o amor
Que dormia em meu coração

Eu te peço
Acredite no desejo

Acredite
Amém.


Onde o vento sopra as nuvens



ONDE O VENTO SOPRA AS NUVENS

Navegar no teu olhar
Afogar no teu sorriso
Correr com o vento
E também sorrir
E também sonhar

Tantos sonhos realizados
Do porão ao sótão
Pelas escadas do coração
Tantos momentos felizes
Contados pelos quadros na parede
Lembranças da sua verdade
Que ninguém soube
E que ninguém teve.

Também o vento leva
Às alturas e ao abismo
E até a solidão faz bem
Quando não há mais nada a perder

O vento sopra esperança
Há um lugar de neve fria
Carros estacionados
E gente de verdade
Sim
Há sonhos aquecendo a alma
E dando direção às nuvens
Onde sua cabeça costumava estar

Você viaja demais
Espera demais
E acredita em todas as suas dúvidas
Como se a fé fosse um acessório
E a chuva fria sua própria cruz

Mas há algo por trás das montanhas
Além do por do sol
Há algo no céu além de nuvens de algodão
Há um olhar
Há um espaço vazio
Por trás da solidão
Um sorriso
E um lugar especial
Onde o vento não pára de soprar.



Luzes


LUZES

Um demônio movido a dinheiro
Está rondando você
Um anjo mal, desejando seu sangue
Como única maneira de sobreviver

Um morto de fome
Um morto na guerra
Comido pela revolta
Se desfazendo na terra

Um doente de angústia
Atropelado pelo vício
Quer ver seu próprio fim
Mas isso é só o início

Quando anoitece as luzes se acendem
Mas nem sempre brilham
No céu as estrelas
No peito o silêncio
Na mão apenas as linhas do destino


Quando anoitece as luzes acendem
E você caminha sem direção
É um bar solitário
Garrafas vazias
E bêbados otários
Escrevendo uma canção

Seus olhos podem ver
Que há um louco a mais no mundo
Com o corpo pesando
No sono profundo
Sono da tarde
Roncos durante o noticiário da TV

Quando anoitece as luzes se acendem
Seus olhos insanos
Ainda podem ver
Sonham com esse corpo
E olham segredos
Que ninguém pode esconder

Há um anjo mal desejando seu sangue
No frio da chuva
Procurando seu calor
Vítima inocente
Do que corre em suas veias
Puro
Puro
E puro amor. 

O beijo






O homem esculpe o amor
O faz de pedra pelo que conhece de seu coração
Acompanhado o faz, pelo que reflete do seu ego.
E à sua magnífica arte
Denomina O BEIJO
E aquela a quem beija, sofre:
Pelo seu coração de pedra
Que jamais se moldará ao verdadeiro amor
Pela sua companhia ilusória que jamais a tomará verdadeiramente em seus braços
Pelo gênio que tanto trabalha e tão pouco ama.
Essa mulher é sua arte
Escultura que sente dor
E sua má fama
Te seduz nesse BEIJO frio
Onde repousa morta a beleza de um amor.

Poesia Bastarda

POESIA BASTARDA

Uma página que pousa
Tao longe das que de mim nasceram
Fora dos ciclos e das encadernações

Essa teimosa, ausente de máscara
Clama registro
Grita palavras desconhecidas
Canta cancões...
E o que faço eu com ela...
Se tracei meus caminhos
Minhas direções?
Se sempre segui meus sonhos, minhas ilusões?
Construí minhas próprias pontes
E sei que isso, a vida custa
Sempre busquei o amor
E só agora vi
Que o amor também me busca.

Rotina

Invejo os normais
Que com seus corpos automáticos
Chegam na hora e local exatos
Executam suas tarefas e se vão

Nada querem e nada sentem

Invejo os que dormem
Automaticamente
E despertam renovados
Sem nenhum sonho

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Cortinas


O coração de um poeta
É como um palco
Dias cheios de guizos e estrelas
Aquecido por aplausos e sonhos
Outros bem silenciosos
Chuvosos e de lágrimas...
Dias perfumados por flores de quem declama um poema
E faz brotar cores, nascerem temas
O coração de um poeta é mutante
Entre a luz e o escuro
Mas o melhor de tudo
É que o coração de um poeta
Tem apenas cortinas
Nunca muros!

Ironia

Nunca mais o sorriso sincero
Nunca mais o beijo quente de amor
Nunca mais a alegria, os planos,
O coração aberto de quem sonha...
Nunca mais o vigor da juventude
Nem o cheiro de gasolina.
Então chegou o caminhante, de longe...
E ela logo o abordou violentamente:
- Então vens para me mudar?
- Não!
- E para que vens então?
- Para vê-la!
- Ver-me? Não o faço eu sozinha o tempo todo?
- Vim de longe... Perdi meu ouro e tenho fome...
Tenho feridas no corpo e na alma...
Tenho os pés cansados e os olhos tristes...
- E vens para me ver? Ironia...
Seu nome deve ser ironia...
Por que então viria de tão longe retratos de mim mesma?
Da fome de amor e de pão... e da fome do perdão que nunca tive!
Que tanto pedi e tanto dei, mas nunca recebi...
És sim a ironia! Por estares tão longe quando precisei de ti...

E se a morta fosse eu?

Vivi, amei, chorei, sonhei...
Escrevi livros e desfrutei das árvores ( sombra e frutos)
Tenho uma herdeira dando os primeiros passos
e pretendo estar de mãos dadas com ela pelo caminho.

Pessoas são como caminhos:
Diferentes e únicos.
Têm seus encantos, seus altos e baixos...
E um dia chegam ao fim.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Zé Maurício


São Paulo, dezembro de 1998.
Zé Maurício
        É morrendo de saudade que te escrevo agora.
        A história de que homem não chora, é apenas mais uma mentira cultivada na roça.
        Choro de saudade quando volto do trabalho. Quando olho tantos barracos e não conheço ninguém. Não tem prosa pra esperar a noite, não tem venda pra sentar na porta e ouvir moda de viola.
        O trabalho é duro, Zé. O ônibus vai sempre cheio de gente que reclama. E abre suas portas em frente à fabrica despejando gente que trabalha.
        Enquanto aí se mistura gente e bicho, aqui se confunde gente e máquina. Máquina que passa direto por outra máquina, e até passa por cima quando é preciso.
        A vida é dura, Zé!
        Mas a gente luta, a gente sonha e a gente pensa. Também a gente tem saudade e chora. Como agora.

Ass: José Francisco Coutinho

Camila




CAMILA E O EPITÁFIO DA ARTE
(O resgate da cultura riovermelhense)

- Oh! Misericórdia! Meus olhos não querem ver o terrível quadro da atualidade. Não!!! Prefiro a morte a essa visão!
Bradou dramaticamente a velhinha que ocupava a primeira cadeira daquele salão, ao ver entrar o pelotão uniformizado sustentando o hino dos desbravadores, dos heróis... Um hino fúnebre para seus ouvidos.
- O que houve minha senhora?
Perguntou polidamente a jovem da cadeira ao lado, levantando-se pronta a socorrê-la.
-Por favor, acalme-se e fale comigo. Mas fale baixo, porque o espetáculo não deve ser interrompido. Diga-me: a senhora está melhor?
- Melhor, eu? Minha jovem, quanta tolice lhe foi imputada com sua educação para crer que eu poderia estar melhor diante de um quadro tão triste?
- Triste, minha senhora? Contesto sua posição. Mas vou explicá-la o que está sendo apresentado aqui.
Esta é uma data festiva e estamos diante do resultado de um árduo trabalho realizado durante o ano inteiro pelo resgate da nossa cultura.
- Resgate? Então não podes ver que este é o primeiro sinal de derrota? Se trabalham agora pelo resgate é porque, em algum momento, deixaram que ela se perdesse. Você não vê isso?
- Isso não vem ao caso! O que importa agora é o espetáculo do resgate. Isso é o que conta. Estamos aqui para assisti-lo, não?
- Não pensei que fosse tão terrível!
- Silêncio, por favor!
Pediu o alvo senhor engravatado da terceira cadeira.
- Quem vocês pensam que são para ofuscarem o brilho do meu espetáculo? Desde minha juventude não vejo nada assim: povo feliz, orgulhoso de sua terra, de sua cultura. No meu tempo, tudo era diferente!
- Assim como passou o seu tempo, passará também o espetáculo, e se o senhor não se calar, passará em branco.
Advertiu a fina moça, acomodando-se na cadeira com a atenção voltada para o palco.
-Oh!
Levantou-se a velhinha gritando. E como se fizesse parte do espetáculo, as luzes se apagaram.
Apenas gritos no escuro, num choro alto e triste. Até comovente!
Quando no centro do palco aparece Camila, com uma vela nas mãos, entoando seu discurso.
- Lágrimas!
Tenho uma taça cheia delas.
Brindem comigo agora,
Compartilhem o cálice do tempo e do descaso.
Embriaguem-se até que o riso tolo venha contornar-lhes os lábios.
Embriaguem-se, até que o efeito corroa seus cérebros e toda razão.
Brindemos à morte de uma musa, tão bela, tão promissora quanto à própria vida.
Brindemos!!!
Aos que deram o melhor de si quando eram jovens, para fazer deste um bom lugar.
Aos que trabalharam tanto pela alegria e pela simplicidade, mas foram envenenados pelo consumismo, pela lição social de levar vantagem em tudo.
Brindemos aos que, com suor, edificaram suas casas e suas famílias, e acabaram como personagens folclóricos regionais.
E o que, de mais glorioso, poderia ser dado a eles?
Eram apenas isso! Parte do folclore!
Poetas, músicos, atores, dançarinos, pintores, escultores, artesãos...
Não poderiam ser mais que isso.
Velemos por eles agora.
Como uma cruz,
Carregaram suas emoções;
Como coroa de espinhos,
Suas idéias;
Como lança a traspassá-los,
Tinham virtudes sem fim.
Aqui repousam,
Mortos pela ignorância,
Sem nenhuma salvação.
Atravessando o tempo
Alcançarão a esperada geração,
Gravadas nos lençóis de sua cama fria
Algumas palavras sobreviverão.
Não basta um simples palco,
É preciso arte,
E isso só tem nas veias.
É preciso vida;
Às vezes, a vida inteira.
Resumida em um epitáfio,
Um mero espetáculo
E nada mais.
Aos que brilharam na terra
Estrelas cintilam agora no céu
Deram suas vidas para ser como elas
Seus valores excedem aos cristais
Através do tempo, esteja registrado:
Os que semeiam sonhos
Tornam-se imortais!

(HYEDA DE MIRANDA CAMPOS)
















domingo, 28 de outubro de 2012

Reserva


RESERVA

            A segunda noite após a sua chegada viera ressuscitar seus medos diante daquele olhar que, sem direção, não tinha onde descansar.
            Seus olhos sempre foram um profundo mistério, de raro brilho e nenhuma beleza. Seu coração também não era simples de se descrever. Assim se abria o horizonte do seu mundo.
            No primeiro instante sentiu saudade do desconforto da última poltrona daquele ônibus noturno. Desconfortável para suas longas pernas, definitivamente massacrante para seu bumbum magrinho. Porém fascinante à sua sensibilidade.
            O casal já estava antes que ela chegasse e ali continuou depois que ela se foi.
            Louro. Foi sua primeira observação. Única possível numa visão tão rápida. Ao lado de uma mulher de cabelos negros. Completou o anúncio que prendera completamente sua atenção.
            Já estava cativa daquele quadro. Agora começaria a decifrá-lo centímetro por centímetro, até o fim. Fim que não se sabia onde estava.
            Por alguns minutos ela fazia palavras cruzadas e ele ouvia música. Muitas luzes estavam acesas até àquela hora. Foram-se apagando no decorrer da viagem, uma após a outra. Até que só a dele permaneceu.
            Adormecida agora ela recebia um carinho discreto e um beijo de boa noite. Dormia em paz como só dormem os que conhecem o amor.
            Ele desperto desafiava a lógica e pouco a pouco se transformava no centro de todas aquelas visões tão diferentes.
            O escuro da noite transformou numa imensa tela os vidros da janela que refletiam sua imagem.
            Algumas vezes ele se movia em bruscos movimentos com o pescoço de um lado para o outro, cansado da inércia imposta pela situação.
            Distraía-se lendo os encartes dos CDs que ouvia. Sua imagem linda ia sendo contemplada e traduzida da poltrona.
            Seus cabelos louros eram curtos, suas costeletas contornavam bem seu rosto másculo e bem traçado. Seu nariz exibia-se bem definido, também seus lábios que uma só vez mostraram aquele sorriso.
            Suas mãos eram brancas e lindas.
            Quando em um momento de relaxamento ele as cruzou por detrás da cabeça, tocando suavemente os cabelos. Depois as firmou contra a nuca para movimentar a coluna.
            Então vi que usava um colar colorido e que toda atenção dispensada até aquele momento era no intuito de ver ali outro alguém. Constatei ainda que vestia uma camisa de malha vermelha e que suas coxas grossas tinham tanta beleza quanto todo o resto.
            Assim ele apagou a luz dissolvendo minha tela em total escuridão.
            Meus olhos vagaram mais uma vez e meu coração entendeu que eu viajava buscando você.


 29-07-2002