A GUIAR
É do chapéu
do avô
Que me saem
memórias
Dos passos
da avó
Que me compõe
a história
Descem pela
testa
Porque o
suor construiu o que somos
Escorre pelos
olhos
Hoje enrugados
Mas passam
pelos lábios
Onde se
esboça um sorriso
De canto de
boca e gratidão
E desce o
choro
Pelo pescoço
Pela medalhinha
santa
Até o
coração
No coração
está a poesia
Envolta na
poeira da estrada
No cheiro da
cozinha
E nos
mistérios de uma casa.
A casa da
fazenda.
Era possível
vê-la desde a ponte
A linda
ponte de madeira
Que parecia
a maior do mundo
Alta e
perigosa
Porque éramos
pequenos e inocentes!
A ponte de
tábuas
Por onde
passava o jeep
Por onde
passava o rio...
E a areia
branca?
Era verdade!
Era produto
de limpeza
E usada para
encher os vasos
Que em vez
de flores
Tinham penas
de pavão.
Infeliz
Quem nunca
se sentou
Em uma das
quatro cadeiras estranhas da mesa de centro
Onde tinha
um calendário giratório
Quando ninguém
sabia o que era o passar dos dias.
Da janela,
as cercas da horta cobertas de bucha,
Melão de São
Caetano e outras folhas.
Ninguém
queria saber se produzia ou não
Mas a água
corrente que se pegava na cuia era bom sinal
Sinal de que
estávamos crescendo a cada ano
Quando uma
nova horta foi feita
La embaixo
Percebemos a
proximidade entre a casa e a ponte.
A ponte
coberta pela enchente de dezembro
Quando estávamos
todos lá!
Chegamos
anos antes da energia elétrica!!!
Tivemos
narizes pretos de lamparina
E corações
assombrados pelas histórias de fantasmas!
Crescemos
usando a casinha...
Que na noite
escura de nada nos servia
Negando
socorro aos nossos apertos.
Tomamos
banho no chuveiro de lata
E conhecemos
o sabão preto
Conhecemos o
luxo do lampião a gás
Da radiola à
pilha
Do balaio de
sabugo
Do relógio
de parede!
Mas a hora
de dormir era marcada pelos adultos
E rigorosamente
obedecida
Após o
leite, o aterro, o disputado banquinho...
Eles jogavam
truco, riam e contavam piadas...
Nós dormíamos!
Sono profundo
nos colchões de palha
Os mais
crescidos já sabiam alguns segredos
Roubavam os biscoitos
da Tia Bininha no armário.
Ela que
fazia nossas petecas
E era tão
criança quanto nós!
O dia era de
aventuras tantas
Os copos de alumínio
no fogão
Cozinhando farinha
para servirmos o leite
A Tia Lica
descendo a escada de madeira
Levando bandejas
para a coberta
Essa que
víamos pelas frestas do assoalho,,,
O Louro que às
vezes assobiava
Também tinha
fama de perigoso
Fugíamos
dele!
Ah! Se ele
levasse no bico nossa saudade!
Se as penas
da vida fossem ainda
Longas,
majestosas e coloridas,
Como das
aves que conhecemos
Ou desafiadoras
da gravidade
Como as
petecas da Tia Bininha...
Ah! Se a
saudade fosse doce como rapadura
Como “Puxa”
na cuia d’água
Como o tacho
de laranja da terra...
A saudade
não é doce
Nem de
leite, nem de figo...
A saudade
não se trata com homeopatia.
Todos nós temos
uma saudade enorme
Que nos
acompanha e cresce a cada dia.
Até à
cadeira de balanço
Onde contaremos
memórias
Semeando
esperança e alegria.
Vamos
regá-las com água da bica
Para que
cresçam frondosas
Como o pé de
jaca ou o de jatobá
Onde entre
balanços e tombos
Aprendemos a
voar
Que nosso
coração transborde amor
E seja ele
A nos GUIAR!