Camila em intervalo
de sonhos.
Desperto então da solidão dos sonhos através dos lençóis e seus
misteriosos caminhos.
Levanto-me e nenhum corpo me seduz
de volta, nenhum braço me envolve, nenhum sorriso me ilumina... Levanto-me
mesmo assim!
No espelho meus olhos navegam em
busca da alma. Meus cabelos expressam o conformismo e a lógica da negritude da
noite contornando meu rosto pálido.
Um minuto apenas para explorar toda
a aquarela da vitalidade e definir quem serei neste dia. Assim vou maquiando
minha máscara humana e visível que me iguala a todos os mortais.
Olhos neutros, sorriso natural,
sincero e espontâneo, sempre disponível. Alguns traços guardados de surpresa
para usar quando contarem estórias em busca de resposta ou pura atenção.
Preciso retocar as sobrancelhas para que a serenidade se fixe nesta máscara de
hoje, impedindo qualquer expressão rude.
Parece um bom rosto para encarar
mais um dia de rotina criado a partir das minhas próprias escolhas.
Os olhos da família nada leem de
novo no meu rosto. No trabalho passam através de mim sem alterar meus traços.
Nenhuma aparição miraculosa para
desafiar meus sentidos no decorrer de todo o dia.
O pôr do sol acontece sinalizando
que há vitória e que a noite vem para celebrá-la.
Hora de voltar para casa. E parece
tão longe este lugar!
Quando encerrada a porta do quarto
parece me separar do mundo. No espelho nova viagem dos olhos perdidos que por
milagre têm a ilusão de cruzar os teus.
Tua imagem se espalha pelo quarto.
Teus olhos perfeitos, tão fortes, tão fartos de brilho raro de magia e cores.
Teus lábios perfeitos, vivos,
minuciosamente traçados para abrir-me em sorriso o portal do amor.
Teus cabelos, todo meu ouro
reluzindo ali ao simples toque dos teus dedos.
Cores contornam teu pescoço como em
um abraço. Joias reluzem refletindo tuas escolhas e realçam tua personalidade.
A perfeita simetria do teu corpo
desafia a realidade e em um leve movimento teu estou cativa.
Pedaços de vidro no chão não podem
agora dizer quem sou.
Aquarelas desfeitas, desmascarado o
meu coração.
O vento atravessa a janela, faz
dançar a vela, faz brilhar a luz dos olhos teus. Espalha no ar o perfume do
encontro, o som da tua voz e o sorriso meu. Também dançamos com ela, corpos,
almas, sombra, calor de amor e vela.
Cheiro de ervas do jardim deserto
onde a chuva não desceu do céu.
Nossos lábios têm sede do suave
veneno do amor, mas provamos o chá dos sonhadores, para adormecer e separar sem
se lembrar, sem sentir dor.
Despertar para mais um dia, em um
mundo desconhecido, onde ficaremos esperando o amor. Despertar para a
normalidade. Para a rotina. Para a lógica e triste lucidez da vida.
(Dama do Vale – 14 de dezembro de 2020)