quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O EFEITO DA CHUVA


O EFEITO DA CHUVA.


Alguns seres têm lentes racionais de pouco alcance. Quanto aos que têm olhos fantasiosos, nada se pode definir. Alcançam milagres!
É assim, quando a noite chega, recolhem-se em seu portal como criaturas estranhas em busca de algo mais. Famintos, sedentos pela penumbra, pela fumaça, pela fantasia de ser, pelas visões que o dia a dia não oferece.
            O mundo normal anoitece, e a TV aprisiona em seu fascínio a família. Risadas e comentários parecem cada vez mais distantes, enquanto o corpo repousa sobre a cama.
Lentes em descanso, e o reino está entregue ao brilho mágico das pupilas de cristal. Vozes e ecos sem tradução.
Chovia, a temperatura estava cada vez mais baixa. Já sabia de sua chegada. Viera ouvir de mim tudo o que poderia te explicar. Estava tão lindo, ao lado de sua criança, sentado no sofá de espera. Poderia , sim, dizer-lhe tudo que transpunha a realidade, tudo o que você era para mim naquele sonho.
Te ver no mundo real é fascinante, sinto no coração poder dizer que te amo, que te quero, que sou feliz com o brilho do seu sorriso. És especial! Poderia dizer-te isso por tanto tempo!
Mas há diferenças também nos sonhos, porque não sonhamos sozinhos, e enquanto você está ao meu lado, sei que alguém te chama de volta à realidade.
Esse chamado fez um rio imenso em nossa frente e precisávamos atravessá-lo. Sonora correnteza que nos impôs o silêncio quando tínhamos tanto a dizer.
Seus cabelos na tempestade eram uma fortaleza de prazer. No mundo real você os mantém em estado de total encantamento.
E no silêncio, minha tristeza te afasta. Saber que pela manhã estaremos em mundos tão diferentes. Que passaremos um pelo outro e você não poderá me reconhecer. Que te olharei pelas lentes racionais e verei apenas uma estrela fora de alcance.
E cada vez que eu tentar me aproximar, dirão que é loucura, que é delírio, porque a realidade te mantém longe demais.
Te ouço, te vejo, mas você não pode fazer o mesmo.Somente eu conheço o portal e sei que não suportaria minha presença na sua realidade. Não posso existir aqui ao seu lado.
Amanhecemos separados pela razão. Mas olhe para fora da sua janela. Está molhado! A chuva caiu aqui também... Quem sabe um dia nos ensine o segredo da presença
O mundo real desperta trazendo de volta as vozes e seus ecos dizendo que a chuva caiu durante a noite.
O efeito da chuva jamais será o mesmo sobre os mortais.



Texto integrante da Antologia Literária Nas Asas da Imaginação - Litteris Editora - 2003



                                           Mestria do Olhar - Litteris Editora 2006
 

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