RESERVA
A
segunda noite após a sua chegada viera ressuscitar seus medos diante daquele
olhar que, sem direção, não tinha onde descansar.
Seus
olhos sempre foram um profundo mistério, de raro brilho e nenhuma beleza. Seu
coração também não era simples de se descrever. Assim se abria o horizonte do
seu mundo.
No
primeiro instante sentiu saudade do desconforto da última poltrona daquele
ônibus noturno. Desconfortável para suas longas pernas, definitivamente
massacrante para seu bumbum magrinho. Porém fascinante à sua sensibilidade.
O
casal já estava antes que ela chegasse e ali continuou depois que ela se foi.
Louro.
Foi sua primeira observação. Única possível numa visão tão rápida. Ao lado de
uma mulher de cabelos negros. Completou o anúncio que prendera completamente
sua atenção.
Já
estava cativa daquele quadro. Agora começaria a decifrá-lo centímetro por
centímetro, até o fim. Fim que não se sabia onde estava.
Por
alguns minutos ela fazia palavras cruzadas e ele ouvia música. Muitas luzes
estavam acesas até àquela hora. Foram-se apagando no decorrer da viagem, uma
após a outra. Até que só a dele permaneceu.
Adormecida
agora ela recebia um carinho discreto e um beijo de boa noite. Dormia em paz
como só dormem os que conhecem o amor.
Ele
desperto desafiava a lógica e pouco a pouco se transformava no centro de todas
aquelas visões tão diferentes.
O
escuro da noite transformou numa imensa tela os vidros da janela que refletiam
sua imagem.
Algumas
vezes ele se movia em bruscos movimentos com o pescoço de um lado para o outro,
cansado da inércia imposta pela situação.
Distraía-se
lendo os encartes dos CDs que ouvia. Sua imagem linda ia sendo contemplada e
traduzida da poltrona.
Seus
cabelos louros eram curtos, suas costeletas contornavam bem seu rosto másculo e
bem traçado. Seu nariz exibia-se bem definido, também seus lábios que uma só
vez mostraram aquele sorriso.
Suas
mãos eram brancas e lindas.
Quando
em um momento de relaxamento ele as cruzou por detrás da cabeça, tocando
suavemente os cabelos. Depois as firmou contra a nuca para movimentar a coluna.
Então
vi que usava um colar colorido e que toda atenção dispensada até aquele momento
era no intuito de ver ali outro alguém. Constatei ainda que vestia uma camisa
de malha vermelha e que suas coxas grossas tinham tanta beleza quanto todo o
resto.
Assim
ele apagou a luz dissolvendo minha tela em total escuridão.
Meus
olhos vagaram mais uma vez e meu coração entendeu que eu viajava buscando você.
29-07-2002
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