terça-feira, 30 de outubro de 2012

Camila




CAMILA E O EPITÁFIO DA ARTE
(O resgate da cultura riovermelhense)

- Oh! Misericórdia! Meus olhos não querem ver o terrível quadro da atualidade. Não!!! Prefiro a morte a essa visão!
Bradou dramaticamente a velhinha que ocupava a primeira cadeira daquele salão, ao ver entrar o pelotão uniformizado sustentando o hino dos desbravadores, dos heróis... Um hino fúnebre para seus ouvidos.
- O que houve minha senhora?
Perguntou polidamente a jovem da cadeira ao lado, levantando-se pronta a socorrê-la.
-Por favor, acalme-se e fale comigo. Mas fale baixo, porque o espetáculo não deve ser interrompido. Diga-me: a senhora está melhor?
- Melhor, eu? Minha jovem, quanta tolice lhe foi imputada com sua educação para crer que eu poderia estar melhor diante de um quadro tão triste?
- Triste, minha senhora? Contesto sua posição. Mas vou explicá-la o que está sendo apresentado aqui.
Esta é uma data festiva e estamos diante do resultado de um árduo trabalho realizado durante o ano inteiro pelo resgate da nossa cultura.
- Resgate? Então não podes ver que este é o primeiro sinal de derrota? Se trabalham agora pelo resgate é porque, em algum momento, deixaram que ela se perdesse. Você não vê isso?
- Isso não vem ao caso! O que importa agora é o espetáculo do resgate. Isso é o que conta. Estamos aqui para assisti-lo, não?
- Não pensei que fosse tão terrível!
- Silêncio, por favor!
Pediu o alvo senhor engravatado da terceira cadeira.
- Quem vocês pensam que são para ofuscarem o brilho do meu espetáculo? Desde minha juventude não vejo nada assim: povo feliz, orgulhoso de sua terra, de sua cultura. No meu tempo, tudo era diferente!
- Assim como passou o seu tempo, passará também o espetáculo, e se o senhor não se calar, passará em branco.
Advertiu a fina moça, acomodando-se na cadeira com a atenção voltada para o palco.
-Oh!
Levantou-se a velhinha gritando. E como se fizesse parte do espetáculo, as luzes se apagaram.
Apenas gritos no escuro, num choro alto e triste. Até comovente!
Quando no centro do palco aparece Camila, com uma vela nas mãos, entoando seu discurso.
- Lágrimas!
Tenho uma taça cheia delas.
Brindem comigo agora,
Compartilhem o cálice do tempo e do descaso.
Embriaguem-se até que o riso tolo venha contornar-lhes os lábios.
Embriaguem-se, até que o efeito corroa seus cérebros e toda razão.
Brindemos à morte de uma musa, tão bela, tão promissora quanto à própria vida.
Brindemos!!!
Aos que deram o melhor de si quando eram jovens, para fazer deste um bom lugar.
Aos que trabalharam tanto pela alegria e pela simplicidade, mas foram envenenados pelo consumismo, pela lição social de levar vantagem em tudo.
Brindemos aos que, com suor, edificaram suas casas e suas famílias, e acabaram como personagens folclóricos regionais.
E o que, de mais glorioso, poderia ser dado a eles?
Eram apenas isso! Parte do folclore!
Poetas, músicos, atores, dançarinos, pintores, escultores, artesãos...
Não poderiam ser mais que isso.
Velemos por eles agora.
Como uma cruz,
Carregaram suas emoções;
Como coroa de espinhos,
Suas idéias;
Como lança a traspassá-los,
Tinham virtudes sem fim.
Aqui repousam,
Mortos pela ignorância,
Sem nenhuma salvação.
Atravessando o tempo
Alcançarão a esperada geração,
Gravadas nos lençóis de sua cama fria
Algumas palavras sobreviverão.
Não basta um simples palco,
É preciso arte,
E isso só tem nas veias.
É preciso vida;
Às vezes, a vida inteira.
Resumida em um epitáfio,
Um mero espetáculo
E nada mais.
Aos que brilharam na terra
Estrelas cintilam agora no céu
Deram suas vidas para ser como elas
Seus valores excedem aos cristais
Através do tempo, esteja registrado:
Os que semeiam sonhos
Tornam-se imortais!

(HYEDA DE MIRANDA CAMPOS)
















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